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Francisca Carvalho, Joana Fervença e Rita Thomaz — Canto

Este texto foi escrito a três mãos. Conserva a forma de cartas que fomos escrevendo umas às outras, dando-nos conta de um ponto de encontro entre as três, sempre a partir dos nossos processos de trabalho. Trabalhar a três é alargarmos a membrana circular que nos protege, orienta e equilibra, situando-nos porosamente no espaço. É nela que se germinam as formas (sempre mercuriais a transitar entre camadas de consciência). No alargamento das membranas, esticadas em direcção ao encontro, dá-se o canto.

~ Joana Fervença

Procura pelo fluxo entre precisão e o que é preciso (o que está a mais e o que é dispensável, detalhe e fluidez) num só lugar – o lugar é o desenho – através do que é simultâneo.

Magnet-íman -carbono-grafite-mineral -Magnet.

A flutuar entre exactidão e indefinição (com referências à história para operar), momentos abstractos, seres e lugares indefinidos e imaginados: nos seres e nos lugares e mesmo na forma de desenhar.

Sempre este movimento de quase conciliação entre opostos, zoom in e zoom out. Através do desenho resultam projecções como de uma possível civilização descendente, onde estes seres vivem entre movimento e fixação em habitats de fronteira (dobra-margem-fronteira), parte-água-parte-terra. É habitar no simultâneo para fazeres parte do todo, para seres inteiro.

~ Rita Thomaz

!NEW signs for the old ceremony!

Ando há algum tempo a pensar no desenho e no espaço, como seria se conseguisse entrar num desenho meu, andar entre as camadas de texturas e cores, sobreposições de planos, transparências…

Como trabalhar esse desenho?  Neste processo de fazer papel e pintar com polpa sinto-me a trabalhar nesses detalhes, um por um, trabalhando camada a camada, como se cada bocado de papel que faço, fosse uma camada desse desenho no espaço.

Neste processo não tenho tanto controlo sobre os cantos e as margens, nem de como as camadas se mesclam e isso dá-me uma sensação de inquietação. O lidar com essa inquietação, o que me faz sentir e o que me transforma a seguir, é o que me faz querer desenhar.

É tudo muito lento, e são desenhos pequenos. Tudo tem de ser feito de uma só vez, quando se retira o papel da grade e se põe a secar, já está! É definitivo.  Ao contrário do que tenho andado a fazer até agora, em que o tempo de trabalho de cada desenho era espalhado pelos dias e meses até, aqui, as decisões têm de ser mais espontâneas e imediatas.

~ Francisca Carvalho

Das pinturas sobre tecido de algodão com tintas vegetais e minerais que aprendi a fazer na Índia e das conversas de nós as três a falarmos das possíveis interacções no espaço da Box, nasceu esta pirâmide invertida de dois lados. Ao pensar em canto, saiu-me esta forma literal que colocada no espaço passou a ser uma espécie de grande traça suspensa em vôo. Estas pinturas são demoradas. Elas demoram-se no fazer porque tudo é executado com uma Qalam (pau de bambu afiado para permitir que a tinta penetre nas fibras) e com um pincel feito a partir de uma cana de bambu esmagada na ponta para separar as fibras. Elas também se demoram no processo: há sucessivos banhos a diferentes temperaturas até a côr se desenvolver por completo. Ao aperceber-me da côr como matéria viva, fui chamada ao mundo da química empírica. O amarelo do interior da pirâmide é feito de curcuma e sementes de manga. No exterior, os vermelhos acastanhados vêm da Rubia cordifolia, os verdes vêm da mistura entre curcuma e sulfato de ferro e o amarelo mais escuro vem da alizarina. Ao fazer esta semi-pirâmide invertida, pensei em tenda ou abrigo suspenso e contei sempre com a emanação quente das fibras. Enquanto pintava o exterior do tecido pensava em Quetzalcoatl, a serpente emplumada, o que fez com que Kali aparecesse repetida, de frente e de perfil, no interior do amarelo. Forceful deities protectoras.

Francisca Carvalho, 2020

créditos © bruno lopes

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