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Francisco Aires Mateus — Scarti

Os restos, ou resíduos da extração de mármore nas pedreiras são um sinal do desperdício contemporâneo. Consegue-se, todavia, imaginar algo que nasça destas pedras quase sem vida.

Que espacialidades poderão conter estes elementos de tão reduzida dimensão?

Como primeiro gesto, propõe-se trazer de volta a preocupação expressa por João Cutileiro nos anos sessenta do século passado, quando produziu uma série de pequenas esculturas, trazendo de novo à vida os resíduos das pedreiras.

Passados sessenta anos, a paisagem em redor das pedreiras diz-nos que pouco terá mudado.

Como cicatrizes, as pedreiras são a face visível do consumo exagerado dos recursos naturais, produzindo enormes quantidades de restos.

A partir destes elementos de dimensão mais reduzida nasce uma tentativa de valorização e reuso destes resíduos como matéria de projecto.

Não se trata apenas de produzir objectos, mas de explorar o potencial do expediente da produção regular, para alterar a normal narrativa e valorizar os resíduos existentes.

Emerge assim o tema da irregularidade, da irrepetibilidade, da artesania com o objectivo de valorizar matérias privadas de qualquer valor.

A imperfeição da pedra transforma-se em possibilidade e não em defeito, levando-nos a questionar a noção de beleza e dando não só uma segunda possibilidade a formas e materiais que de outro modo seriam praticamente entulho, mas também fazendo dessa condição o centro da investigação.

Esta possibilidade de ver as coisas sob um outro prisma, mudando simplesmente o ponto de vista, poderá trazer consigo um valor ambiental e cultural que transforme o resto [ scarti ] em elemento fundador.

creditos © bruno lopes

HCI / Colecção Maria e Armando Cabral / / /