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Ana Hatherly, Barbara Kapusta, Diogo Lança Branco, Gonçalo Birra, Ian Law, Loreto Martínez Troncoso,  — Linguagens Liminares

Curadores: David Revés & João Conceição

A. Todas a vezes que reflito sobre a categorização de uma obra de arte ou a tento classificar, imediatamente se transforma num ato de redução. Redução da sua intenção ou potencial. Não quero ditar ou controlar a sua narrativa, apenas oferecer as condições necessárias para que ela possa existir num âmbito de partilha. Haverá momentos em que algo nos conecta com a arte, perante a sua presença, outros em que arte nos transmite algo, uma mensagem ou emoção. Refiro-me a algo no campo da intuição, do emotivo, ou até mesmo do espiritual.

B. Percebo o que dizes. E identifico-me muito com isso. A arte, e todas as suas produções, parecem existir justamente nesse limbo, potente e tensional. Entre aquilo que nela reconhecemos enquanto dimensão simbólica, linguagem codificada ou projecção subjectiva e todo o Real, tumultuoso, indómito, quase caótico, que ela traz consigo e que sempre nos excede nas relações que com os objectos possamos desenvolver. De alguma forma, essa experiência que referes parece ser o ponto onde a nossa linguagem falha. Onde o esforço de descrição fica sempre aquém da realidade interna do objecto.

A. Diria que a linguagem tanto falha como mostra as suas limitações. É como se revelasse um espaço nas margens, uma fissura, aproximando-se do irreconhecível. Quando me debruço sobre cada uma das obras que estão nesta exposição, sinto que sou colocado num lugar que tem elementos familiares, mas que me oferecem algo de novo. Adicionam algo ao meu vocabulário visual, auditivo ou imaginativo. Têm a capacidade de explorar os meus sentidos e puxar-me além. Será que estou a ir na direção do oculto? Do que não é visível, mas cuja presença se sente?

B. Sim. A linguagem não deixa de ser uma invenção humana. Um filtro de protecção e controlo entre nós e as coisas. Um instrumento de mobilização da realidade através do pensamento. Por isso, concordo contigo, é limitada. Há sempre algo que fica destapado, ou que não se deixa cobrir totalmente. Talvez o oculto de que falas seja precisamente o que está completamente desocultado, e dessa forma inteiramente livre. Diria que nesta exposição acabamos por nos situar nem além, nem aquém da linguagem. Como se esta pudesse ser um ponto imóvel no espaço, centro de convergência hegemónica ou imagem identitária fixa, o que rejeitamos. Sinto que estamos num lugar paralelo, perpendicular, tangencial, naquela que é uma tentativa de confirmação de diferenças num plano de multiplicidade potente. Linguagens humanas e não-humanas convivem neste espaço, entre objectos, matérias, virtualidades, imagens e expressões de distintas naturezas. Que apontam direcções heteróclitas, sempre fugidias, sempre indomáveis.

A.Tudo isso atrai novas possibilidades, não só na forma como neste caso pensamos em obras de arte, mas também como nós, humanos, podemos relacionar-nos com tudo aquilo que está fora do prescrito. As limitações que são impostas na forma como nos relacionamos e comunicamos não permitem que outras formas de expressão tenham espaço. Muitas vezes penso na agência que cada um de nós tem em questionar o que é concebido como realidade ou verdade irrefutável. Aqui, neste espaço, conseguimos por momentos suspender certas crenças e acreditar que há algo mais. Abrimos uma potencial nova teia de associações, uma que esperemos germine em muitas mais.

 

Barbara Kapusta vive e trabalha em Viena. As suas obras são articulações de corpos situados, perspectivas parciais e agências queer, questionando o gesto imperialista quanto a critérios de universalidade e estruturação binária. Exposições recentes e futuras incluem The Palace of Concrete Poetry, Writers’ House, Tbilisi, (2022); Let your () do the talking, NAK Aachen (2022); Futures, Kunsthalle Bratislava (2022); Lo(l) – Embodied Language, Kunsthaus Hamburg (2022); Dissolving Matter & Value, Lothringer 13, Munich (2021); Enjoy, museum moderner kunst stiftung ludwig wien, Vienna (2021); Europa Antike Zukunft, Halle für Kunst Steiermark, Graz (2021); The Leaking Bodies Series, Gianni Manhattan Vienna (2020); Dangerous Bodies, Kunstraum London (2019), Hysterical Mining, Kunsthalle Wien (2019), Empathic Creatures,  Ashley Berlin (2018).

Ian Law, nascido em 1984. Vive e trabalha em Londres, Reino Unido. Exposições recentes incluem Kingdom of the III: Second chapter of TECHNO HUMANITIES (2021-2023), Museion, Bolzano (2022), Drips the room, Piper Keys, Londres (2020), Robert Overby / Ian Law, RODEO, Londres (2018). 

Gonçalo Birra vive e trabalha em Londres. A sua prática investiga as maneiras pelas quais os nossos afectos particulares a objetos, sejam eles palavras, ideias, pessoas ou coisas, permanecem vulneráveis à persistência perturbadora e desorganizada do incognoscível, irreparável e esquecido.

Ana Hatherly (Porto, 1929 – Lisboa, 2015) foi uma artista plástica, escritora, ensaísta e realizadora. Interessada em todas as formas de comunicação, começa a desenvolver o seu trabalho no campo da escrita e do desenho. Escreve o seu primeiro livro de poesia em 1958, “Um Ritmo Perdido”, como alusão à carreira musical que não prosseguiu. Foi o início de uma extensa obra poética. Membro do Grupo Experimentalista Português, Ana Hatherly foi um dos teorizadores deste movimento iniciado nos anos 60 em Lisboa. Fundou, em 1988, a Revista Claro-Escuro. Participou em numerosas exposições, destacando Alternativa Zero, 1977; retrospectiva integral da sua obra, CAM, 1992; e exposição póstuma no Museu Gulbenkian e Fundação Carmona e Costa, 2017.

Loreto Martínez Troncoso vive atualmente em Marselha. Nos últimos vinte anos tem vindo a desenvolver uma prática artística centrada na performance, desenvolvida a partir de abordagens e espaços disciplinares muito diversos, mas sempre ligados pela linguagem, seja através da palavra oral ou da palavra escrita, a partir da qual cria diferentes situações, realidades e acções. Exposições anteriores e ações individuais incluem Les Laboratoires d’Aubervilliers (Paris), Center Georges Pompidou (Paris), Arteleku (San Sebastián), Fundação de Serralves (Porto), MARCO (Vigo), Center d’Art – La Ferme du Buisson (Noisiel, França), PM8 Gallery (Vigo) e Igrexa de San Domingos de Bonaval (Santiago de Compostela); e as exposições colectivas Urbanitas (MARCO, Vigo, 2006), Art and Research 07 (Montehermoso Cultural Center, Vitoria), The medium is the museum (MARCO, Vigo / Koldo Mitxelena, San Sebastián, 2008), The Scream (MUSAC, 2011), Creation Scholarships art abroad, Gas Natural Fenosa (MAC, A Coruña, 2015).

Diogo Lança Branco (1993, Portugal) vive e trabalha em Lisboa. Mais recentemente começou a explorar o som, a performance e a escrita em vez de se focar no seu background de pintura e desenho. Focade em experimentações, ao contrário de trabalhos artísticos demasiado polidos ou acabados, os seus esforços baseiam-se em pensar (ou repensar) como as formas de comunicação podem ser meios reais para alcançar uma noção salutar de integridade. Com uma perspectiva queer sempre presente sobre a arte e as suas formas de produção, seja individual ou em colaboração, teve algumas oportunidades recentes de trabalhar ao lado de amigos, colocando o cuidado, o carinho e a comunidade como o núcleo e simultaneamente o objetivo de cada projeto.

creditos © bruno lopes

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