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Luis Rocha — Rubato

Trabalhar é como ir puxando uma ponta de um novelo de lã. O seu limite é desconhecido e irrelevante.

A primeira versão deste texto era sobre a eventual beleza que existe no silêncio de coisas que crescem longe do nosso alcance, acerca da importância do acto de fazer como acção vital e independente. Criar, como um processo cuja duração é misteriosa, mas nunca uma preocupação, basta ir fazendo, ir puxando, o novelo revela-se já não como um emaranhado indiscernível mas como uma linha clara que se desenrolou numa sucessão de momentos e decisões. Assim, pareceu-me que para poder pensar sobre trabalho devia concentrar-me na tomada de decisões e afastar-me do domínio da especulação.

Luís Rocha escolheu trabalhar esta sala, fazer com que esta deixasse de ser apenas um meio para receber trabalho mas o trabalho em si. Decidiu transformar a sala em obra para que a pudesse habitar plena e não simplesmente visitá-la. Transformando um espaço expositivo num espaço contemplativo, somos convidados a entrar e a permanecer.

Apresenta-se claro e essencial. A sua pintura envolve-nos sem jamais se impor, expandindo-se em todas as direcções. As arestas superiores e inferiores do espaço arquitectónico actuam como um limite artificial de uma forma infinita. A mancha de cor é expansível horizontalmente e pode manobrar-se dentro do momento imposto pela altura do espaço. Este local está pontuado por quatro elementos, aparentemente independentes, que fazem parte do mesmo universo. É através de um corpo ininterrupto que atravessa cada um, diluindo-se por breves instantes, que encontramos o elo constante de ligação.

As escolhas de Luís Rocha são subtis e rigorosas. Tudo o que é necessário é cor, luz, volume, forma e fundo. Depois é tudo uma questão de harmonia, com a consciência de que tudo está interligado, que qualquer alteração envia vibrações pelo trabalho todo. Neste caso harmonia é uma espécie de ordem que permite que vários elementos coexistam no mesmo espaço sem necessariamente terem que estar equilibrados, mesmo que o aparentem.

Tal como a expressão que dá título à exposição, termo que se refere a um “roubo” que cria desordem num momento específico sem comprometer a harmonia da peça musical.

Sara Mealha, Janeiro 2022

Agradecimentos : Eduardo Rocha, Fernão Cruz, Guilherme Figueiredo, João Franca, Leonor Lloret, Pedro Canoilas, Rui Neiva, Sara Mealha, Stolen Books, Vera Appleton e Appleton Associação Cultural

Mecenas: HCI; Colecção Maria e Armando Cabral

creditos © bruno lopes

HCI / Colecção Maria e Armando Cabral / / /