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Vasco Barata

Gloria

Em 2013, a convite da Vera Appleton concebi e apresentámos a exposição “Les Apaches” na Appleton Square. Essa exposição lidava com os mecanismos que fazem da violência um meio de revolta, mas também a possibilidade de gerar cultura e arte alternativa à hegemonia cultural vigente até se tornar, também ela, a norma.

Passaram seis anos e, em 2019, o amável convite repetiu-se.

Desta vez, a violência, numa declinação económica e social, afecta de uma forma muito particular a cultura e a Arte. Agravada por uma Pandemia, que em seis meses revelou muitas feridas que preferíamos ignorar: as instituições estão moribundas ou paralisadas, a economia financeira parasita a natureza numa escala inaudita, aos artistas tudo é pedido em troca de esmolas. Pelo menos as máscaras caíram e podemos ter uma panorâmica do Estado da Arte, focada, sem distorções.

Os artistas continuarão a criar, é a sua natureza, mesmo quando não é lucrativo, fácil, óbvio, ou sequer desejado. É o que fazem, é o que sempre fizeram. Mesmo quando o espaço encolhe, mesmo quando é cada vez mais invisível, mais etéreo. Não conheço nenhum artista que tenha parado ou desistido, muitos aproveitaram para repensar meios e métodos, não é a primeira crise para ninguém. Adaptação e sobrevivência.   

O convite da Vera foi, como sempre, de uma liberdade total, que se sobrepõe sempre às condições físicas e materiais do contexto. O termo que me ocorre é hospitalidade, entendida como a capacidade de receber narrativas, propor outras, imaginar futuros, falar com os mortos. Estar acompanhado, partilhar.

Foi como resposta a este estado de coisas que propus repensar esta exposição não como um momento individual mas colectivo, baseado num movimento simples e partilhável: o desenho. Analógico, físico, ágil. E da mesma forma que o convite me foi endereçado, convidei artistas que desenham, com perfis, gerações e abordagens diferentes, tendo como único critério, ser amigo e/ou  admirador do seu trabalho. Hospitalidade, reciprocidade, comunidade.

Alguns trabalhos de convidados são retirados das paredes da minha/nossa casa, foram comprados ou oferecidos, os casos de Danh Vo, Fernando Calhau, Ana Anacleto, Dave Gibbons, Isabel Carvalho, Julião Sarmento, Carla Rebelo, Bruce Nauman, Ana Jotta ou Sara & André.

Os restantes são respostas ao convite que enderecei à Alice Geirinhas, à Catarina Lopes Vicente, ao Daniel Fernandes, à Mariana Gomes, ao Paulo Brighenti, ao Rui Toscano e à Susana Pomba.

Hospitalidade: todos os desenhos de convidados estão emoldurados, vieram de fora para dentro ainda com a armadura. Os meus, na parede, são a companhia destes procurando relações, afinidades, testando os limites de ambos.

Nos desenhos que cada artista convidado emprestou, a variedade é tal e tão estimulante que levou, no meu caso, a recorrer a desenhos que atravessaram longos períodos (da quase infância até hoje) para ter um léxico suficientemente abrangente … e isso foi divertido.

 Provavelmente noutro contexto não transformaria este momento numa exposição colectiva, mas a urgência dos tempos amplia os pequenos gestos.

Esta estação, como as outras, passará.

Vasco Barata
Setembro 2020

créditos © bruno lopes

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